sexta-feira, 29 de julho de 2011

Por Que Os Eleitos ainda Gemem com a Criação? - Richard Baxter


Primeiro, a principal razão é que é da vontade de Deus que seja assim. Quem deve dispor das criaturas, senão aquele que as criou? Quem dever organizar os tempos e as transformações delas, senão o Senhor absoluto? Quem é o único que também tem sabedoria para decidir o que é melhor para a pessoa e poder para garantir que seu desejo seja realizado? Você também pode muito bem perguntar: "Por que não podemos ter a primavera e a colheita sem o inverno?", como também indagar: "Por que não temos esse descanso aqui na terra?".

Contudo, você também pode muito bem ver uma boa razão para isso. Primeiro, Deus deveria subverter a ordem estabelecida na natureza, se fosse para ele nos dar esse descanso aqui na terra. Todas as coisas devem chegar a sua perfeição passo a passo. O homem mais forte de todos precisa primeiro ser uma criança; o erudito mais notável precisa primeiro cursar a escola primária e aprender o “ABC”; o artífice mais talentoso foi no início um aprendiz inexperiente; o carvalho mais alto foi primeiro uma pequena bolota. Esse é o curso contínuo da natureza. Esta vida é nossa infância; quem sabe deveríamos ser aperfeiçoados no ventre, ou nascer totalmente desenvolvidos? Deus deve subverter o curso da natureza para nós?

E seria um absurdo ético, se nosso descanso e contentamento plenos fossem aqui. Isso seria uma ofensa para Deus e para nós mesmos. Primeiro para Deus, tanto nesta vida quanto na vida por vir. Nesta vida, isso seria uma ofensa para Deus, tanto em relação ao que faz por nós aqui quanto em relação ao que ele receberia, por assim dizer, de nós. Se nosso descanso fosse aqui, então a maioria das providências de Deus seriam inúteis; seu notável plano, frustrado; e suas obras cheias de graça e suas misericórdias, desnecessárias para nós. Se o homem tivesse mantido seu primeiro descanso no Paraíso, Deus não teria oportunidade para manifestar seu enorme amor pelo mundo entregando seu Filho. E como Deus não teria a oportunidade para exercitar toda sua graça, mas apenas algumas delas, então ele não teria nosso agradecimento por tudo que faz por nós.  Não sentimos como se nossas orações estivessem prontas a congelar? E como o servimos displicentemente? E como esquecemos ou passamos por cima de uma responsabilidade, quando temos saúde e prosperidade, embora ainda estejamos muito distantes de todo contentamento e descanso? Se tivéssemos o que teremos, como ele ouviria muito pouco a nossa voz! Deus se agrada da alma humilde e contrita, da alma que treme ao ouvir a sua Palavra; mas haveria pouco disso em nós, se satisfizéssemos plenamente nossos desejos aqui.  Achamos que podemos louvar a Deus melhor se não precisássemos de nada; mas a experiência nos diz o contrário.  Além disso, como a variedade é um elemento da beleza da criação, ela também o é da providência; e se fosse para Deus exercitar aqui apenas um tipo de previdência, e conceder apenas um tipo de graça, e receber nosso agradecimento apenas por uma delas, isso seria uma diminuição da beleza da providência.

E seria uma grande ofensa para nós mesmos, como também para Deus, se tivéssemos nosso pleno contentamento e descanso aqui na terra; tanto agora quanto para todo o sempre. Quando Deus perde a oportunidade para exercitar suas misericórdias, o homem também perde a alegria de desfrutar delas. E quando Deus perde os louvores que lhe são devidos, o homem certamente perde as consolações do Senhor. Como poderíamos conhecer o coração amoroso do Pai, e como ele nos encontraria cheio de alegria e nos abraçaria, se não nos fosse negado, como aconteceu com o filho pródigo, as migalhas do prazer e dos benefícios terrenos? Jamais sentiríamos a mão suave de Cristo curando nossas feridas e enxugando nossas lágrimas, se não tivéssemos caído nas mãos de bandidos, e se não tivéssemos lágrimas para ser enxugadas. Se não estivéssemos cansados, e sobrecarregados, e sedentos, e não fossemos pobres, e humildes, e contritos, jamais teríamos estes doces textos em nossa Bíblia: "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados" (Mt 11.28); "Quem tiver sede, venha; e quem quiser, beba de graça da água da vida" (Ap 22.17); "Bem-aventurados os pobres em espírito" (Mt 5.3); "Pois assim diz o Alto e Sublime, que vive para sempre, e cujo nome é santo: 'Habito num lugar alto e santo, mas habito também com o contrito e humilde de espírito'" (Is 57.15). Em outras palavras, perderíamos todas as misericórdias redentoras,  nossas recuperações, nossos livramentos e as misericórdias de ação de graças, se não tivéssemos nossas misérias e nossos sofrimentos para proporcionar tudo isso. E isso seria uma perda para nós, tanto no futuro quanto no presente. Para um soldado, ou para um viajante, é um grande deleite olhar em retrospectiva suas aventuras e seus livramentos, depois de que eles já fazem parte do passado; e para um santo no céu, olhar em retrospectiva para a condição em que estava na terra  deve fazer com que suas alegrias sejam racionalmente mais alegres. Quando os abençoados estão no fim, eles olham em retrospectiva para o caminho; quando a luta é finda, e o perigo já acabou, e a tristeza se foi, ainda assim a alegria com a lembrança disso tudo não se esgotou, nem os louvores de seu Redentor se findaram. Mas se não tivermos nada além da alegria e do descanso na terra, que espaço haveria, depois disso, para o regozijo e os louvores?

Agora, nós somos seres incapacitados para a alegria e o descanso; e isso tanto no que diz respeito ao corpo como à alma. Uma alma que é tão fraca em toda a graça, tão propensa ao pecado, tão entretecida como princípios e desejos contraditórios  tem, nesse caso, alegria e descanso plenos? O que é o descanso, senão a perfeição de nossas bênçãos em hábito e ações, o amor a Deus de forma perfeita, o conhecimento do Senhor e o regozijo nele? Como pode descansar a alma que tem tão pouco desse conhecimento, e desse amor, e dessa alegria? O que é o descanso, senão a libertação do pecado, e das imperfeições, e dos inimigos? E pode descansar a alma que é importunada, e incessantemente, por tudo isso?

E nosso corpo, bem como nossa alma, são incapacitados para esse descanso. Agora, ele não é aquele corpo radiante e luminoso que será um dia, quando o corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o mortal, de imortalidade. Ele é nossa prisão e nosso fardo; e é tão assolado por enfermidades e defeitos que somos obrigados a gastar a maior parte do tempo em seu restabelecimento e no suprimento de suas necessidades.  Certamente, esse corpo deve ser refinado a uma perfeição apropriada para aquele lugar, antes que seja capaz de desfrutar do descanso.

Como não somos capacitados a ter esse descanso na terra, então queremos aqueles objetos que podem nos propiciar alegria e descanso; pois os que agora desfrutamos não são suficientes, e o que é suficiente não está ao alcance de nossas mãos. Desfrutamos do mundo e de sua faina, e que fruto ele pode nos dar? O que há em tudo que temos aqui que possa nos dar descanso? Os que têm mais de tudo que o mundo pode oferecer carregam o maior fardo, e desfrutam de menos descanso que os outros.  Tolos inexperientes prometem a si mesmos ter, no presente, o céu na terra; mas quando eles estão prontos para desfrutá-lo, ele foge deles; e quando já perderam o fôlego de tanto correr atrás dessa sombra, ele não está mais perto deles que quando iniciaram a corrida.  Aquele que tem alguma consideração com as obras do Senhor pode facilmente ver que o fim mesmo delas é derrubar nossos ídolos, cansar-nos neste mundo e forçar-nos a buscar nosso descanso nele. Afinal, não é onde prometemos a nós mesmos mais contentamento que ele mais nos contraria?

E como o que desfrutamos aqui não é suficiente para nosso descanso, então Deus, que é suficiente, é pouco desfrutado aqui. Não foi aqui que ele preparou a sala para a presença de sua glória; ele fechou a cortina que nos separa dele; como criaturas, estamos distantes dele; como meros mortais, mais distante ainda; como pecadores, o mais distante possível. Ouvimos aqui e ali uma palavra de conforto dele, e, para guardar nosso coração e manter acessa nossa esperança, recebemos suas demonstrações de amor; mas--Deus meu!--isso não é nossa alegria plena. Enquanto estivermos neste corpo, estaremos distantes do Senhor; distantes, até mesmo, enquanto ele estiver presente. A alma que escolheu Deus como sua porção e o escolheu para sua única alegria e descanso pode encontrar descanso nessa distância tão enorme?

E, por fim, como somos incapazes em nossa natureza, também o somos quanto à moral. Há um merecimento que deve vir antes de nosso descanso. Ele tem a natureza de uma recompensa; não uma recompensa de dívida, mas de graça. E, assim, não temos um merecimento de dívida, nem mérito propriamente dito, mas o merecimento da graça e da preparação. Sim, é uma obra da justiça de Deus dar a coroa àqueles que conquistaram esse descanso, não por meio de sua justiça legal, mas da justiça do evangelho, pois Cristo nos trouxe a ela, e Deus a prometeu e, portanto, ele a declarará a eles como direito destes. Para os que combateram o bom combate, terminaram a corrida e guardaram a fé há uma coroa de justiça separada para eles, a qual o Senhor, o justo Juiz, dar-lhe-á naquele dia. E estamos preparados para receber a coroa antes de termos vencido? Ou o prêmio antes de terminar a corrida? Ou receber nosso pagamento antes de trabalhar na vinha? Ou de ser governante de dez cidades antes de multiplicar nossos talentos? Ou de entrar na alegria do Senhor antes de cumprir bem nossa missão como servos bons e fiéis? Ou herdar o reino antes de dar testemunho ao mundo de nosso amor por Cristo? Que os homens depreciem as obras o quanto quiser e pelo tempo que desejar, mas você descobrirá que essas são as condições para que ganhemos a coroa; assim, Deus não alterará o curso da justiça para lhe dar descanso antes de você trabalhar; tampouco você receberá a coroa de glória até que tenha vencido.

Portanto, há razões suficientes para que nosso descanso deva esperar até a vida por vir. Assim, leitor cristão, preste atenção: como você ousa projetar um descanso aqui na terra e cuidar para que possa desfrutá-lo? Ou murmurar para Deus por causa de seus problemas, e labuta, e necessidades aqui na carne? Sob o peso de seu cansaço, você está disposto a ir para Deus, seu descanso, e terminar seu combate, e sua corrida, e suas obras? Se não, ó, reclame mais com seu coração e deixe-o ainda mais cansado, até que o descanso passe a ser mais desejável.

Extraído: .Mayflower - Textos Puritanos

Desejos Inflamados por Deus – Richard Baxter (1615 - 1691)


O cristão vivo é o consagrado. É nossa distância do céu que nos torna tão insípidos: é o fim que vivifica todos os meios, e mais vigoroso será nosso movimento, se observamos esse fim com freqüência e de forma clara. Como os homens trabalham de forma incansável e se aventuram sem medo, quando pensam em um prêmio proveitoso! Como o soldado arrisca sua vida, e o marinheiro enfrenta tormentas e ondas; como eles, cheios de alegria, circundam a terra e o mar, e nenhuma dificuldade os intimida, quando pensam em um tesouro incerto e perecível! Quanta vida seria acrescentada nos esforços do cristão se ele antecipasse com freqüência esse tesouro eterno! Corremos devagar, e esforçamo-nos de forma indolente, porque nos importamos muito pouco com o prêmio!

Quando o cristão saboreia constantemente o maná velado, e bebe dos rios do Paraíso de Deus, como esse manjar e néctar divinos acrescentam vida a ele! Como, em suas orações, seu espírito será fervoroso, quando ele considerar que ora por nada menos que o céu! Observe o homem que passa muito tempo no céu e verá que ele não é como os outros cristãos. Algo do que ele viu lá em cima aparece em suas responsabilidades e em sua conversa; ainda mais, pegue esse mesmo homem logo após retornar dessas visões bem-aventuradas e perceberá facilmente que ele se sobrepuja a si mesmo, e como seus sermões são divinos. Se ele for um cristão comum, ele terá uma conversa divina, orações divinas e atitudes divinas! Quando Moisés esteve com Deus no monte, ele recebeu tanta glória de Deus que seu rosto resplandecia a ponto de as pessoas não conseguirem olhar para ele. Amados amigos, se você apenas se dedicar a isso, essa glória também estará com você.

Os homens, quando conversassem com você, veriam sua face resplandecer e diriam: "Certamente, ele esteve com Deus".  Se você tivesse luz e calor, então por que não passaria mais tempo debaixo da luz do sol? Se você tivesse mais dessa graça que flui de Cristo, por que não passaria mais tempo com Cristo para ter ainda mais? Sua força está no céu, e sua vida também está no céu, e ali você deve buscá-las todos os dias, se quiser tê-las. Por falta desse recurso do céu, sua alma é como uma vela apagada, e seu serviço como um sacrifício sem fogo. Para sua oferta queimar, é preciso que busque carvão nesse altar. Para sua vela brilhar, é preciso acendê-la nessa chama e alimentá-la todos os dias com o óleo proveniente dali; fique próximo desse fogo renovador e veja como seus sentimentos ficarão revigorados e fervorosos. Como os olhos alimentam os sentimentos sensuais por meio do olhar fixo nos objetos fascinantes, também os olhos de nossa fé, por meio da meditação, inflamam nossos sentimentos em relação ao Senhor, ao mirar com freqüência essa mais sublime beleza.

Você pode exercitar suas funções de muitas outras formas, mas essa é a forma de exercitar suas bênçãos. Todas elas provêm de Deus, a fonte, e levam a Deus, o fim último, e são exercitadas em Deus, o objeto principal delas, de forma que Deus é tudo em todos. Elas vêm do céu, e a natureza delas é divina, e elas o direcionarão para o céu e o levarão para lá. E como o exercício abre o apetite e dá força e vida ao corpo, o mesmo também acontece com a alma. Pois como a lua é mais gloriosa e fica mais cheia quando fica mais diretamente face a face com o sol, também sua alma ficará mais cheia de dons e de bênçãos quando vir a face de Deus mais de perto. Seu zelo compartilhará da natureza dessas coisas que o impulsionam: portanto, o zelo que é inflamado por suas meditações sobre o céu, provavelmente, será um zelo mais divino, e a vida do espírito que você busca na face de Deus deve resultar em uma vida mais sincera e consagrada.

Se você apenas pudesse ter o espírito de Elias, e na carruagem da contemplação pudesse elevar-se nas alturas até que se aproximasse da vivificação do Espírito, sua alma e seu sacrifício arderiam gloriosamente, apesar de a carne e o mundo lançar sobre eles a água de toda sua inimizade antagônica. Pois a fé tem asas, e a meditação é a carruagem; sua responsabilidade é tornar presente as coisas ausentes. Você não vê que um pequeno pedaço de vidro, quando direcionado para o sol, condensará de tal forma seus raios e calor a ponto de queimar aquilo que está atrás dele, mas que, sem ele, esse objeto teria recebido apenas pouco calor? Oras, sua fé é o vidro que faz queimar seu sacrifício, e a meditação o posiciona diante do sol; apenas não o afaste logo, mas segure-o ali por um pouco de tempo, e sua alma sentirá o venturoso efeito.

Certamente, se conseguirmos entrar no Santo dos Santos, trazendo de lá a imagem e o nome de Deus, guardando-os em nosso coração, bem pertinho de nós, isso possibilitará que façamos maravilhas: toda responsabilidade que realizarmos será uma maravilha, e aqueles que a presenciarem prontamente dirão: "Ninguém jamais falou da maneira como esse homem fala" (Jo 7.46). O Espírito nos dominará e far-nos-á falar a todos sobre  as obras maravilhosas do Senhor.

                                                                                                                                                                                                                                        Texto extraído de:      http://www.mayflower.com.br